quarta-feira, 10 de abril de 2013

Combater a ignorância, desfazendo equívocos lamentáveis




Artigo onde se esclarecem as grosseiras mistificações, criadas e alimentadas pela Comunicação Social de massas, sobre os direitos e os deveres do Estado para com os Cidadãos, Contribuintes, Funcionários Públicos e Pensionistas do Estado, no âmbito da Lei do Orçamento do Estado.
 
 
Estou em crer que o esclarecimento desta questão é muito pertinente e tem sido bastante desvalorizada e mal explicada pelos especialistas e comentadores mediáticos em geral. O que é profundamente lamentável para o esclarecimento correcto da opinião pública sobre esta questão crucial, que no fundo é não apenas política, mas acima de tudo configura uma questão de moral.

A mistificação em causa consiste, básicamente, no seguinte: o Estado português tem de reduzir custos, ou seja, numa linguagem "empresarial", está com problemas de Tesouraria (digamos assim...) e, como tal, os seus empregados são "lógicamente", entre todos os Cidadãos portugueses, aqueles que mais obrigações têm de fazer sacrifícios, nomeadamente pecuniários, para ultrapassar as presentes dificuldades. Esta afirmação, ainda que se possa considerar simplória, provém contudo de uma consideração genuína e básica de justiça, pelo que deve ser adequadamente respondida e esclarecida, algo que, infelizmente e a meu ver, não tem acontecido. E deve sobretudo ser esclarecida porque está inquinada de uma falácia grosseira, que todos os (muitos) que não a conseguem descortinar por si próprios merecem que lhes seja explicada e desmontada, para evitar que continuem a ser alvo de uma demagogia desenfreada e de um populismo exacerbado, com intuitos condenáveis, porque altamente nocivos para a paz social e para a coesão nacional, como adiante procurarei demonstrar.


O problema desta visão simplista e mistificada da realidade, infelizmente tão generalizada entre nós, é que ela pressupõe atribuído ao Estado apenas o mero papel de um empregador como qualquer outro, concorrencial e exercendo a sua "actividade" num sistema de mercado livre e regulado, o que, pura e simplesmente, não é verdade. Ou melhor, não traduz a totalidade da verdade.

É um facto que, para os Funcionários Públicos atuais e para os Pensionistas do Estado, este é, ou foi, o seu "Patrão", a sua entidade empregadora, e eles são, ou foram, seus empregados. Só que o Estado de Direito é muito mais do que um "Patrão": por um lado, o Estado é como se fosse também "propriedade" dos seus Servidores e Pensionistas, ou seja, os Funcionários Públicos ainda vivos, os atuais e os do Passado, são também "accionistas" deste seu "Patrão"; e, por outro lado, todos os restantes Contribuintes, incluindo os trabalhadores do sector privado da Economia, são na mesma medida "accionistas" do Estado.
 
Mas, muito para além de ser uma "entidade empregadora", com uma dada "estrutura accionista", o Estado é ainda (e acima de tudo) UMA AUTORIDADE PÚBLICA, quer para os seus trabalhadores, quer para todos os restantes Cidadãos! Autoridade pública, para mais, com poderes exclusivos em matérias determinantes como, por exemplo, a ordem pública, a administração da Justiça e, acima de tudo, para o assunto em causa, a cobrança dos Impostos! Que se traduz nomeadamente, ao seu nível máximo, na elaboração do Orçamento do Estado.

Ou seja, o Estado tem múltiplas facetas, para o Cidadão comum, e portanto, ao apresentar o seu Orçamento, não pode ser encarado e analisado apenas na sua vertente de empregador dos Funcionários Públicos, porque quando decreta Impostos, ou quando decide o corte dos vencimentos (ou de quaisquer outras regalias) dos seus Servidores e Pensionistas, em sede do texto do Orçamento de Estado não está a dialogar com eles enquanto empregador, mas sim como Autoridade fiscal!

Quer isto dizer que o Estado, quando elabora o seu Orçamento, tem obrigações legais, constitucionais e MORAIS que transcendem, em muito, as suas obrigações, ou limitações, enquanto apenas "agente económico" e empregador!

Nomeadamente, o Estado de Direito está OBRIGADO a cumprir as Leis, acima das quais está a Constituição do País (também designada por Lei Fundamental...)! Que tem como princípio basilar a IGUALDADE ENTRE TODOS OS CIDADÃOS e que, em consequência, dispõe que os direitos de todos os trabalhadores são idênticos perante a Lei e perante o Estado!

CONCLUSÃO: o Estado de Direito não pode legislar, nem decretar Impostos, apenas em função das questões económicas da sua "Tesouraria", mas sim tendo sempre presentes os constrangimentos legais e constitucionais a que está submetido! Que, como fácilmente se compreende, são de um nível de importância SUPERIOR ao das questões materiais e contabilísticas, por mais graves que estas sejam.
 
Pelo que, para solucionar os seus problemas enquanto empregador, o Estado só pode agir FORA DO CONTEXTO DO SEU PAPEL DE AUTORIDADE FISCAL e nunca atropelando as normas constitucionais! Isto é, se o Estado fez as contas e decidiu, enquanto "Patrão", que tem de reduzir os seus "custos com o pessoal", só pode alterar essa situação propondo novas condições de trabalho, desde que estas se conformem com a Legislação laboral. Por exemplo, pode não admitir mais Funcionários, ou admiti-los em condições contratuais menos aliciantes, etc., mas nunca aplicando a sua autoridade fiscal - da qual aliás tem o monopólio - de uma forma discriminatória!

Na prática, o que o Estado pode fazer é, doravante, agravar as condições salariais para os seus novos Funcionários e Pensionistas, de uma forma justa, legal, proporcional e honesta. Mas que, ao mesmo tempo, tenha em conta as necessidades e exigências de todos os destinatários dos seus "serviços", que no fundo são todos os Cidadãos, atuais e futuros - não esquecer nunca esta dimensão estratégica das decisões do Estado.

Esta distinção crucial entre as diversas faces e os diversos papéis do Estado, no contexto da discussão sobre a constitucionalidade dos dois últimos Orçamentos do Estado, afigura-se-me extremamente mal explicada à opinião pública, o que abre a porta a todo o tipo de demagogias e de populismo, que têm como consequência lógica a percepção errónea de que o Tribunal Constitucional está, apenas por causa de "matérias teóricas" e de "questões formais e de princípio", a "prejudicar sériamente o cumprimento das obrigações internacionais do Estado português", o que é, sem qualquer dúvida, uma asserção de uma gravidade incomensurável, indigna de ser proferida por alguém com um mínimo de responsabilidade social, quanto mais pelo principal responsável do Poder Executivo...
 
A manutenção desta mistificação apenas contribuirá para dividir os portugueses, criando ódios e ressentimentos injustificados e evitáveis, que podem ter consequências desastrosas para o Futuro da nossa Sociedade e do nosso País.

terça-feira, 9 de abril de 2013

A inconstitucionalidade da discriminação orçamental dos Funcionários Públicos e Pensionistas do Estado.

 
 
 
Há muito a dizer sobre o último Acórdão do Tribunal Constitucional - e não apenas por parte dos Constitucionalistas. E também sobre as Declarações de Voto dos seus Juízes que votaram em minoria. Veja-se a este propósito um denso Artigo de Domingos Farinho no "blogue" «JUGULAR» (http://jugular.blogs.sapo.pt/3503152.html).
 
Partindo então desse princípio de que o Governo poderia, de forma legal e constitucional, retirar arbitráriamente certos direitos salariais exclusivamente a alguns Contribuintes, nomeadamente aos Servidores e Pensionistas do Estado (e com base apenas nessa sua condição), através da Lei do Orçamento do Estado, poderá ou não defender-se que o mesmo Governo pode, constitucionalmente e através da Lei do Orçamento do Estado, retirar certos direitos salariais apenas aos trabalhadores do sector privado (e únicamente com base nessa sua condição), mediante um aumento selectivo de Impostos (I. R. S. e outros) exclusivamente destinado aos contribuintes que não sejam Funcionários Públicos e Pensionistas do Estado?

Ou, por outras palavras, poderia o Estado ter confiscado, de modo perfeitamente constitucional e na forma de um Imposto Extraordinário em 2013, os Subsídios de Férias e de Natal aos trabalhadores do sector privado, nas mesmíssimas condições de taxas com que o fez aos Funcionários Públicos e Pensionistas do Estado em 2012, equilibrando assim o Orçamento de 2013 e, ao mesmo tempo, sanando materialmente a célebre inconstitucionalidade decretada, mas perdoada, no ano transacto (isto é, repondo na prática a igualdade de tratamento ferida em 2012...)?

Ou ainda, se quisermos continuar a falar da Igualdade de Direitos consagrada na Constituição (ainda?) em vigor, pode ou não um Governo, de forma legal e constitucional e em sede da Lei do Orçamento, aumentar as taxas (e as tarifas) de utilização dos Serviços Públicos (e das Infra-estruturas Públicas) APENAS para quem não seja Funcionário Público ou Pensionista do Estado, como forma ponderada de equilibrar o Orçamento?

Por outras palavras: pode ou não o Estado, de forma constitucional e em sede da Lei do Orçamento, tratar os seus Funcionários e Pensionistas como se fossem seus "accionistas" - que é precisamente o princípio oculto que subjaz à ideia peregrina de que estes grupos de Contribuintes têm maior obrigação do que os restantes de fazerem esforços fiscais (ou salariais) para equilibrar as contas do Estado -?
 
Ou seja, se o Estado pode tratá-los, constitucionalmente e em sede do Orçamento, como seus "accionistas" para lhes cortar os "dividendos", pode ou não, à luz do mesmo princípio jurídico, tratá-los como seus "accionistas" para lhes conferir (ou aumentar) os direitos e privilégios dentro das "instalações da Empresa"?